25 fevereiro, 2006

Delírios Românticos

Estejam preparados! A seguir presenciaremos o encontro de quatro grandes representantes da geração romântica. Caracterizados pelo exagero, o amor não correspondido, o mal-do-século, o subjetivismo e pela grande influência de Lord Byron. Os poetas encontram-se no século XIX, no Rio de Janeiro, em uma taberna qualquer, numa noite longa de inverno, encontra-se Castro Alves, já consumido pela bebida e tomado por lamentações. O homem atormentado, entre uma taça e outra, chora e procura respostas...
- E que é que fiz Senhor? Não basta inda de dor, Ó Deus terrível?
Bebe mais uma taça.
- Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?
Chega Álvares de Azevedo, sóbrio e melancólico, senta-se na mesma mesa e grita:
- Cala-te Castro! És um louco Castro Alves!
CASTRO: És o anjo da morte! O que queres?
ÁLVARES: Vinho! Vinho! Não vês que as taças estão vazias? E também o sabor de um cigarro feiticeiro!
CASTRO: O horizonte sem fim... Por favor, mais vinho!
A taberneira, que é coxa, serve o vinho, enquanto Álvares acende um cigarro enrolado.
ÁLVARES: Bravo! Bravo! - E prossegue olhando para a garrafa de vinho - Os lábios da garrafa são como os da mulher: só valem beijos enquanto o fogo do amor os borrifa de lava...
CASTRO: Sim, sim... Mulheres... Ela em soluços murmurou-me: adeus!
ÁLVARES: Circunstância agravante, caro Cecéu...
CASTRO: Ela foi-se ao pôr da tarde, os ninhos desabaram... No abandono... Murcharam-se as grinaldas de lianas que tanto me custaram... Ó Senhor! Leve-me contigo!
ÁLVARES: O materialismo é árido como o deserto, é escuro como um túmulo!
CASTRO: Mas que música suave ao longe soa!
Entram Gonçalves Dias e Casimiro de Abreu, abraçados, alegres e cantando:

"Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais cores,
Nossas flores têm mais vida,
Nossa vida mais amores..."

ÁLVARES: Silêncio, moços! Acabai com essas cantilenas horríveis!
CASTRO: Tens razão, é canto funeral! Que tétricas figuras!
ÁLVARES: Nada de tétrico! O que eles cantam não é real, é um sonho tudo isso!
GONÇALVES: Como amo a luz! O silêncio, e cores, e perfume e vida!
CASIMIRO: Como são belos os dias! Ah! A sombra das bananeiras! Dos laranjais!
ÁLVARES: Calai-vos malditos! O que tomaram?
GONÇALVES: É o desejo de uma pátria melhor!
CASIMIRO: A vida é um hino do amor! O céu sempre lindo! A lua beijando o mar! As ondas beijando a areia! Não seja tão pessimista caro Álvares!
CASTRO: O duelo da treva e do clarão! Um brinde cavalheiros!
Brindam com grande entusiasmo.
GONÇALVES: Mas diga-me rapaz, não acreditas numa pátria melhor?
ÁLVARES: Não, o que eu penso é diverso. É uma grande idéia que talvez nunca se realize.
CASIMIRO: Pois, conte-nos! No que pensas?
ÁLVARES: Anjo e demônio habitam as cavernas de um mesmo cérebro. Não é hora para isso!
GONÇALVES: Sou filho das selvas, nas selvas cresci! Admiro toda essa beleza! As palmeiras, as estrelas, o sabiá!
CASTRO: Liberdade peregrina! E nem tenho a sombra de uma floresta! (Ri)
O silêncio toma conta do ambiente...
CASIMIRO: O mesmo silêncio terrível...
ÁLVARES: É meia-noite. A hora amaldiçoada, dizem que a essa hora vagam espíritos...
CASIMIRO: A noite tem seus mistérios!
ÁLVARES: Esse mundo é monótono a fazer morrer de sono...
GONÇALVES: Aceita um cigarro, triste rapaz?
ÁLVARES: Sim! É belo fumar! O fumo, o vinho, as mulheres! Trazem-me uma alegria momentânea...
CASTRO: ´Stou louco de amores... Onde está Eugênia que não veio ainda?
GONÇALVES: Mas isso amor não é, é delírio.
CASTRO: Nos negros cabelos de moça bonita, formoso enroscava-se o laço de fita... Nos seus beijos de fogo há tanta vida...
Álvares já embriagado levanta-se e caminha em direção à taberneira, suspirando:
- Amorosa visão, mulher dos sonhos! Amo-te como o vinho e como o sono! Ah! Vem, pálida virgem!
A mulher assustada, some de sua visão. Álvares então segue lamentando:
- Vivo de amores, morrerei sonhando... Eu sou tão infeliz, eu sofro tanto!
GONÇALVES: Tu és valente, bem o sei, confessa!
CASIMIRO: Quem dera que sintas as dores de amores que louco senti!
CASTRO: Eu não sei tua história... Mas que importa?
CASIMIRO: Lábios formosos daquela virgem, um olhar meigo eterno que brilhaste por entre aquelas pestanas aveludadas... Ah mulher! Mulher! Que tão cedo esqueceste o homem que te votou o amor mais ardente de sua alma!
ÁLVARES: Essa dor que a vida devora...
Casimiro descontrolado põe-se a chorar.
CASTRO: Que tens criança? Quero ver-te brilhar!
CASIMIRO: Meu Deus! Que gelo, que frieza aquela! Ai mulher! Tu me mataste! Chamaste-me de criança, Castro minha infância querida! Que saudades!
GONÇALVES: Dois corações que juntos batem, que juntos vivem, se os separam, morrem. Basta, irei a Portugal. Dos mares à amplidão!
CASTRO: Não partas não! Aqui todos te querem! O que busca além dos horizontes?
GONÇALVES: Com quanto amor eu amo Ana Amélia! E esta oculta paixão, na dor aumenta intérprete nas lágrimas... Enganei-me... Horrendo caos... Necessito de novo ares.
CASTRO: A Europa é sempre Europa, a gloriosa!
Casimiro acompanha Gonçalves na saída da taberna.
CASTRO: Que noite fria! E é tarde! É muito tarde! Oh! Eu quero viver beber perfumes... No seio da mulher há tanto aroma...
ÁLVARES: Amei muito uma moça, parece-me então que se aquela mulher que me faz estremecer assim soltasse sua roupa de veludo e me deixasse pôr os lábios sobre seu seio um momento, eu morreria num desmaio de prazer!
CASTRO: Uma chuva de pétalas no seio! - Suspira. -
ÁLVARES: Ah! Se eu morresse amanhã! Há poucos dias meu cavalo arrepiou-se, pulou e deu-me um tombo...
Castro dá gargalhadas.
ÁLVARES: Não rias de mim! Não me sinto bem... Ó minha mãe, pobre coitada que por minha tristeza se definhas. Passei ontem a noite junto dela.
CASTRO: Morrer... Quando este mundo é um paraíso!
ÁLVARES: Não escuta a gritar as caveiras?
CASTRO: Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
ÁLVARES: Não derrame por mim nenhuma lágrima...
Álvares cai sobre a mesa num sono profundo e eterno, para ele havia chegado a grande noite. Castro Alves assustado grita:
- Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me se é loucura!
Passados alguns anos, Castro retorna à mesma taberna e lá recebe uma correspondência de Gonçalves Dias, nela o amigo conta do falecimento de Casimiro de Abreu, vítima do mal-do-século e envia-lhe sua "Canção do Exílio", demonstrando a vontade de retornar à sua pátria. Tal fim não se realizou, Gonçalves faleceu em um naufrágio.
Castro Alves murmura:
- Ó sono! Unge-me as pálpebras.

19 fevereiro, 2006