28 janeiro, 2009

Marie Antoinette (1755-1793)


Havia uma lembrança viva de Maria Antonieta no Palácio de Versailles: uma árvore plantada por ela, para nos lembrar da perturbação emocional e a dimensão trágica de sua vida. Nesses dias de chuvas assustadoras, uma tempestade arrancou suas raízes do solo. Parece-me que o ciclo da rainha se fechou, e é a natureza quem o fez. Deixo, então, uma reflexão: o que resta de Maria Antonieta na mulher moderna?

25 janeiro, 2009

O Cinema no (meu) Olhar




A belíssima Ursula Andress, em A Décima Vítima, foi uma das muitas fotografias da exposição do paparazzo intitulada Tazio Secchiaroli - O Cinema no Olhar, sediada pela Caixa Cultural. O italiano foi considerado o primeiro paparazzo da história da fotografia, e foi eternizado no cinema por Federico Fellini ispirando o filme La Dolce Vita.



Saí da exposição com alguns postais, acabei pintando esse aqui e coloquei na minha agenda-livro,no dia do aniversário de Lord Byron (22/01), junto com uma de suas poesias que mais gosto, aí vai:


"SHE walks in beauty, like the night
Of cloudless climes and starry skies,
And all that's best of dark and bright
Meets in her aspect and her eyes;
Thus mellow'd to that tender light
Which Heaven to gaudy day denies.

One shade the more, one ray the less,
Had half impair'd the nameless grace
Which waves in every raven tress
Or softly lightens o'er her face,
Where thoughts serenely sweet express
How pure, how dear their dwelling-place.
And on that cheek and o'er that brow
So soft, so calm, yet eloquent,
The smiles that win, the tints that glow,
But tell of days in goodness spent,—
A mind at peace with all below,
A heart whose love is innocent."
postal, canetinhas.

Está pra sair o 4º disco do Otto!

"Está quase terminado meu álbum. meu 4º álbum de carreira. tenho orgulho de afirmar que ele é meu. isso chama-se .independência!!! e daí que tive que sofrer , e daí que fiquei sem falar... o que importa é que findei. ainda não por completo. mas já dobrei a curva e os momentos finais. um álbum, um disco, um registro. ali tem todo esse tempo. aprendi que o artista comprime o humano em faixas vivas . exprime versos e metáforas absorvendo o real. no puro abstrato. é preciso ser gente e escrever. coragem. as vezes me preocupo com o que escrevo. mais aprendi acima de tudo a adivinhar a gramática. ou talvez sempre escrevo o que falo ... ou , o que gostaria de falar. nesta equação maluca, tento soltar os sons que cada palavra tem... me divirto muito. e sempre sobra alguém que lê. a estas pessoas eu juro que sempre me expressarei. porque sempre expressei honras, e covardia. não importa. somos códigos em busca de codigos . procuro decifra-los, entende-los. como vejo. liberdade... CERTA MANHÃ ACORDEI DE SONHOS INTRANQUILOS..."

Meu artista favorito de todos. De coração, alma e batuque!




Entrevista/ 2008



Dia de Tom Jobim e Sampa

São Paulo 455 anos - Tom Jobim 82 anos


SÃO PAULO
Metrópole sem ar
pernas abertas ao sol do néon
acoberta e ignora
sufoca e abriga
seus filhos (cidadãos e bandidos)
em grande estilo de mãe piedosa
A dor em São Paulo é guardada em potes
(como faziam as mães com as compotas)
dia virá, o grito certeiro
cuidará de abrir os vidros:
sabores a descobrir
Dalila Teles Veras

Te amo São Paulo

São Paulo, te amo
Te amo, São Paulo
Na tarde tão fria
Busquei teu calor,
teu amor em São Paulo
São Paulo, te amo
Pasión de mi vida
I love you, querida
Je t'aime São Paulo
Io ti amo São Paulo
I love you Te amo,
São Paulo Te amo
Te adoro, te adoro
São Paulo, São Paulo,
São Paulo
Laiala laia la
Sonhei com você
em São Paulo

Tom Jobim
























"Ia (dia) que
todo dia essa agonia
E a poesia?
E a poesia?"
Quantas saudades da correria cinzenta e colorida!

23 janeiro, 2009

Das origens: poesia, palavra, canto e corpo

“A música apodrece quando se afasta muito da dança.
A poesia se atrofia quando se afasta muito da música.”(Ezra Pound)
I
É certo que a linguagem é um atributo humano, e que por meio dela o homem expressa seus pensamentos, emoções, comunica-se com seus semelhantes, diferindo-se dos outros animais que possuem apenas a voz. Segundo Rousseau, a linguagem surgiu da imprescindível necessidade de comunicação: o parir de uma cólera ou de uma paixão, que a princípio era alegórica e por isso vinculada ao universo poético. “Não é a fome ou a sede, mas o amor ou o ódio, a piedade, a cólera, que aos primeiros homens lhes arrancaram as primeiras vozes… Eis por que as primeiras línguas foram cantantes e apaixonadas antes de serem simples e metódicas.” (ROUSSEAU, 1987, p.160).
Na mitologia grega, Eco foi castigada por acobertar Zeus em seus adultérios, Hera condenou-a a não mais falar: repetiria apenas os últimos sons das palavras que ouvisse. Sua desventura levou-a a transformar-se em pedra. Reiterando a idéia de Rousseau, conclui-se que o indivíduo incapaz de expressar seus sentimentos e crenças está condenado à imobilidade, à petrificação da sensibilidade.
Na sociedade pós-moderna, a submissão às leis do mercado reduziu a produção artística, incluindo a poesia, a um produto de consumo, ou seja, as obras de arte tornaram-se meras mercadorias de entretenimento, subtraindo todo seu poder simbólico, imergindo a sociedade no sono e no caos. A essa consideração, acrescenta Octavio Paz: (1993, p.134): “O mercado é justo. Talvez. Mas é cego e surdo, não ama a literatura nem o risco, não sabe nem pode escolher. Sua censura não é ideológica: não tem idéias. Sabe de preços, não de valores.”
Como efeito dessa massificação, o homem tem se distanciado dessa forma visceral de conhecimento e de estímulo à imaginação e criatividade. Porém, é com o intuito de mostrar que nesse mar turbulento ainda resistem algumas ilhas que não permitem o desvanecer dessa voz primeira, que proponho um estudo acerca da poesia como elemento que acompanha a evolução do homem.




II Gênesis: poética-musical

Linguagem e poesia nasceram juntas e estavam relacionadas à atribuição de nomes a todas as coisas – mas tais nomes não eram a representação do que se dizia, e sim a sua essência. Conforme Bosi (2000, p. 163): “O poder de nomear significava para os antigos hebreus dar às coisas a sua verdadeira natureza, ou reconhecê-la. Esse poder é o fundamento da linguagem, e , por extensão o fundamento da poesia.”
Posteriormente, encontramos a poesia vinculada ao canto como forma de expressão do sentimento amoroso de um indivíduo e, também, como instrumento nas relações com os poderes transcendentes de uma comunidade: canto religioso, canto laborial, canto guerreiro e canto festivo. Os homens falavam aos deuses por versos ritmados para garantir a melhor retenção na memória, e dessa forma, colocavam-nos na mesma sintonia. A primazia era, então, da repetição e do ritmo, em detrimento do conteúdo. À expressão da emoção sem ornatos e espontânea atribui-se o efeito de encantamento ou fascinação.

“Ritmo, repetição. Eis os dois elementos essenciais que, na poesia primitiva, ordenam a ‘expressão verbal’ , por que se comunica e emoção que a provoca. Pode dizer-se assim, que a poesia é o verbo comovido que se faz música, a qual se repete para renovar o encanto, ou continuar a libertação da perturbação interior.” (CIDADE, 1946, p.17)

Por ser um produto da criação humana, a arte modifica-se de acordo com o espírito de uma época, portanto, não poderia ser diferente com o ritmo. No princípio, ou seja, na poesia primitiva o ritmo tinha a função de ressaltar num movimento cíclico de repetição a tonicidade da linguagem oral. Na Antiguidade Clássica - Renascença, racional e intencionalmente, o método usado para medir o verso era quantitativo (duração), conhecido como pés métricos, ou seja, alternância entre sílabas longas e breves, sendo essa considerada a alma da poesia.
Já no Romantismo, a idéia de harmonia torna-se uma ferramenta imprescindível que evoca significados pelas diferentes tonalidades do som, agora é o sentido que é priorizado na criação poética.
No poema moderno, a partir do Simbolismo, o verso passou a ser medido pelo critério da intensidade, isto é, a tonicidade das sílabas, com intuito de retomar a musicalidade das frases. Surgiu assim o verso livre, que apresenta um ritmo solto e irregular. “Em poesia, os simbolistas deram os primeiros passos que culminaram na liberação rítmica do Modernismo. Em lugar da simetria, surge a irregularidade, o contraste, a dissonância, o efeito imprevisível ou inesperado.” (GOLDSTEIN, 2005, p.38).
Vê-se que o laço entre poesia e música, apesar de ter se afrouxado por um período, é latente até nas designações das diferentes formas poéticas, a saber: balada, ode, canção, soneto, rondão. O fato que constitui a comunicação poética é a inclinação de provocar mais prazer do que informação. A transmissão do texto poético pela voz induz à apoteose dos sentidos, esse efeito sinestésico é o gerador de um maior prazer. Com isso, muitas são as possibilidades a se explorar: poesia meramente recitada, poesia cantada ou acompanhada por instrumentos.

III O que dizem o corpo e a voz

De fato, a poesia é a arte da linguagem, no entanto, a realização poética integral se dá por meio da performance[1] - conjunto formado pelo corpo e a voz que tem como objetivo conferir à poesia a totalidade de um sentido. Há uma espécie de imanização entre intérprete e público quando o primeiro se dá (entrega-se) no palco e o ouvinte, por sua vez, dialoga com o intérprete do texto por meio de gestos, olhares, suspiros.
Nesse contexto, participar de um concerto de rock ou de MPB, ou ainda, assistir a uma peça de teatro, ir a um sarau provoca um encantamento de mesma natureza. Contrariamente ao ato de leitura do texto poético, leitura essa solitária, acrescenta Paul Zumthor:

“A voz, o corpo trazem num plano que lhes é próprio, um sentido: a particularidade desse sentido é ser perceptível globalmente, não podendo ser decomposto em signos discretos, como ocorre com o texto; é um sentido que só pode ser traduzido em linguagem pelo viés de comentários. No poema escrito e lido, o que ocorre é o sentido ‘lingüístico’ (se posso expressar-me assim!), certamente com toda sua espessura, sua complexidade provável; mas quando há performance, uma pluralidade significante se constitui da qual só uma parte decorre do emprego de um sistema de signos; o resto faz sentido de um modo que não pode ser analisado.” (ZUMTHOR, 2005, p.119)


IV O silêncio como significado

Falar em voz, sem considerar aquilo que é anterior a ela, ou seja, o silêncio, seria partir de uma proposta unilateral. Explico: quando me refiro ao silêncio quero evocar a idéia de que entre o eu-lírico e o objeto da poesia há um vazio decorrente da impossibilidade do poeta apreender o “outro” completamente e de transmiti-lo por meio da palavra, por isso diz-se que “a poesia é anterior à linguagem” (ZUMTHOR, 2005, p.139)
O silêncio posterior ao enunciado possui significado a partir do momento em que ecoa a tonalidade afetiva do som que o precedeu (a incógnita, a afirmação, as entrelinhas, a pluralidade...). Para ilustrar o que disse acima em poucas linhas:

de som a som
ensino o silêncio
a ser sibilino

de sino em sino
o silêncio ao som
ensino

Paulo Leminski


V

A poesia é a linguagem usada pelo homem para expressar a imensa necessidade de comunicar o que sente – gênero lírico = poesia.
No século XX, a poesia resistiu à tentativa de sua padronização de forma contundente. Maiakóvski, poeta futurista russo, em 1926 publicou um ensaio no qual procurava ilustrar a sua poética, ou a forma como ele a entendia. Motivado pelo surgimento de manuais que garantiam ensinar a escrever em prosa e em verso. No Brasil, os participantes da semana de 22, rompendo com os tratadistas parnasianos, trouxeram da Europa as idéias de vanguarda e adaptaram-nas (antropofagismo) à nossa cultura. Em seguida, na década de 50, os concretistas, retomando os ideais modernistas, revolucionaram o conceito da forma na poesia, utilizando todo o espaço da folha de papel, inventando o poema-coisa. Posteriormente, nos anos 70, a poesia marginal renova o cenário, trazendo à tona a época conturbada do regime ditatorial, refletindo a inanição intelectual em poemas quase niilistas.
A cura para o caos em que vivemos, por conta da massificação e “coisificação” da arte é, para Octavio Paz, a poesia – pedra de escândalo da modernidade. “Contra vento e maré, a poesia circula e é lida. Rebelde ao mercado, quase sem preço; não importa: vai de boca em boca, como o ar e a água. Sua valia e utilidade não são mensuráveis: um homem rico em poesia pode ser um mendigo.” (Paz, 1993, p.143)
Junto a esse texto, apresento um apanhado de criações poéticas, gravadas em um CD, a fim de dar mais uma prova de que a boa poesia é atemporal e não cede às regras infligidas pela cultura de massa.








[1] “O termo performance se impõe absolutamente, no sentido que lhe dão hoje em dia, a partir dos anglo-saxões a performance é virtualmente um ato teatral, em que se integram todos os elementos visuais, auditivos e táteis que constituem a presença de um corpo e as circunstâncias nas quais ele existe.” (ZUMTHOR, 2005, p.69)

Roseiral




Um Índio – Caetano Veloso
“Virá impávido que nem Muhamed Ali/ virá que eu vi apaixonadamente como Peri /virá que eu vi tranqüilo e infalível como Bruce Lee /virá que eu vi o axé do afoxé, Filhos de Gandhi virá .”


O Guardador de Rebanhos (VIII) – Fernando Pessoa
“Esta é a história do meu Menino Jesus.Por que razão que se perceba Não há-de ser ela mais verdadeira Que tudo quanto os filósofos pensam E tudo quanto as religiões ensinam?”


Perdoando Deus – Clarice Lispector
“Como amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que "Deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse.”


No Meio do Caminho – Carlos Drummond de Andrade
“Nunca me esquecerei desse acontecimentona vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminhotinha uma pedra.”


Pequeno poema didático – Mário Quintana
“A vida é indivisível. Mesmo A que se julga mais dispersa E pertence a um eterno diálogo A mais inconseqüente conversa.”


Autopsicografia – Fernando Pessoa
“E os que lêem o que escreve,Na dor lida sentem bem,Não as duas que ele teve,Mas só a que eles não têm.”


Retrato – Cecília Meireles
“Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil:- Em que espelho ficou perdidaa minha face?”


Use Filtro Solar – Mary Schmich
“Tenham cuidado com as pessoas que dão conselhos, mas sejam pacientes com elas. Conselho é uma forma de nostalgia. Dar conselhos é uma forma de resgatar o passado da lata do lixo, limpá-lo, esconder as partes feias e reciclá-lo por um preço maior do que realmente vale.”



Cartas de amor (trecho) – Fernando Pessoa
“Mas, afinal,Só as criaturas que nunca escreveram Cartas de amor É que são Ridículas.
... embora na vida adulta sigam outras afeições, conservam num escaninho de alma, a memória do seu amor antigo e inútil."


Sonetos 05, 30 e 80 – Luís deCamões

“Amor é fogo que arde sem se ver.”

“Alma minha gentil, que te partiste.”

“Sete anos de pastor Jacob servia.”


Amor – Clarice Lispector

“Amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter inclusive amorÉ a desilusão do que se pensava que era amor.”


Amor Feinho – Adélia Prado

“Amor feinho não olha um pro outro.Uma vez encontrado, é igual fé,não teologa mais.”


Amor, Meu Grande Amor – Ângela Rô Rô
“Que tudo o que ofereçoÉ meu calor, meu endereço A vida do teu filho Desde o fim até o começo.”


Tanto Mar – Chico Buarque
“Sei que há léguas a nos separar Tanto mar, tanto mar Sei também quanto é preciso, pá Navegar, navegar.”

Mar Português – Fernando Pessoa
“Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor.Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.”

O Navio Negreiro – Castro Alves ”Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus...Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão?...Astros! noite! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão!...”


Erro de Português – Oswald de Andrade
"Quando o português chegou/ Debaixo de uma bruta chuva/Vestiu o índio/ Que pena! Fosse uma manhã de sol /O índio tinha despido /O português.”


A Flor e a Náusea – Carlos Drummond de Andrade
“Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.”

Credo – Milton Nascimento e Fernando Brant
”E acorda novo, forte, alegre, cheio de paixãoVamos caminhando de mãos dadas com a alma novaViver semeando a liberdade em cada coraçãoTenha fé em nosso povo que ele acordaTenha fé em nosso povo que ele assusta.”




Procura da Poesia – Carlos Drummond de Andrade
“Chega mais perto e contempla as palavras.Cada umatem mil faces secretas sob a face neutrae te pergunta, sem interesse pela resposta,pobre ou terrível, que lhe deres:Trouxeste a chave?”


Ser Poeta – Florbela Espanca
“Ser poeta é ser mais alto, é ser maiorDo que os homens! Morder como quem beija!
... É ter fome, é ter sede de Infinito!”

Sangue Latino – João Ricardo e Paulinho Mendonça

“Jurei mentiras /E sigo sozinho /Assumo os pecados /Os ventos do norte/Não movem moinhos/E o que me resta/É só um gemido.”


Poética – Manuel Bandeira
“Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis Estou farto do lirismo namorador.”


Morte e Vida Severina (trecho) – João Cabral de Melo Neto

“É uma cova grande pra teu defunto parco Porém mais que no mundo te sentirás largo É uma cova grande pra tua carne pouca Mas a terra dada, não se abre a boca.”
Cartas de meu avô – Manuel Bandeira
“O meu semblante está enxuto.Mas a alma, em gotas mansas,Chora, abismada no luto Das minhas desesperanças...”



Versos Íntimos – Augusto dos Anjos
“Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja.”

A Alma Humana – Fernando Pessoa

“Mas um poço sinistro, cheio de ecos vagos, habitado por vidas ignóbeis, viscosidades sem vida, lesmas sem ser. Ranho da subjetividade.”

(Coletânea de Poesia num CD - Luciana Feijó e Kleber da Cruz)

18 janeiro, 2009

O jogo da Amarelinha - Capítulo 07

Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.
Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.

Júlio Cortázar


Sobre o autor



Belga de pais argentinos, Cortázar passou a maior parte de sua infância na Argentina. Desde a infância tinha gosto pelas letras, tendo escrito o seu primeiro livro aos nove anos. Formou-se em Letras, em 1935, atuando como professor de Literatura posteriormente.

Julio Cortázar é considerado um dos mestres de seu tempo, um dos autores mais originais, sua obra consiste em narrativas curtas. Seu livro mais conhecido é O Jogo da Amarelinha, de 63, que permite várias leituras orientadas pelo próprio autor - pode-se seguir os capítulos página por página ou seguir a ordem de capítulos sugerida pelo autor. Cortázar inspirou o cineasta Michelangelo Antonioni, no filme Blow-up (Depois daquele beijo).

http://www.juliocortazar.com.ar/