28 novembro, 2006

São Paulo

05 novembro, 2006

Vende-se



Descia a rua com pressa, passos apertados em sapatos baratos que contrastavam com vitrines de luxo. Entre laços, fitas e dourado, seus olhos buscavam a beleza, talvez aquele casarão antigo, que no imaginário da menina tornava-se palco das histórias mais românticas à moda antiga, claro... A casa com aparência desleixada estava deslocada em meio a tanta modernidade, mas o charme amarelado ainda era por poucos admirado. Márcia sempre se encantava ao se deparar com o casarão, a emoção era a mesma a cada encontro. Dessa vez, notou a placa que indicava uma futura, provavelmente distante, venda. Seu rosto fino de expressão ingênua vibrou ao imaginar como seria viver entre paredes antigas, que guardavam tantos segredos e histórias, em prováveis cômodos imensos, janelas altas e um jardim que teria cor de todas as flores. Foi surpreendida então, quando viu uma senhora um tanto enrugada sentada na varanda, a olhar o movimento. Estava arrumada, um belo vestido, parecia estar esperando por alguém. Elas cumprimentaram-se e a senhora acenou, e os passos de Márcia agora saltitavam na descida. Os dias passaram, a moça retornou, e a placa ainda estava lá, mas dessa vez o portão estava aberto. Márcia parou de frente para a casa. Olhou para um lado e para o outro, não hesitou, entrou com toda vontade, cruzou o jardim seco rapidamente, seu coração batia acelerado. Bateu na porta... Nada. Bateu novamente, e encostou a orelha na porta de madeira. Ouviu passos chegando, lentos e leves, logo a porta foi aberta. A velha senhora maquiada e madame, com certa dificuldade e voz rouca convidou-a para entrar.A sala era escura, e de longe ouvia-se um bolero distante... A mobília era pouca mas de bom gosto, quase toda coberta com lençóis bordados. A velha seguiu para a sala de estar e indicou a cadeira na qual a moça deveria sentar. Márcia sentou-se numa postura omissa e acompanhou o caminhar arrastado da senhora que foi até a cozinha. Seus olhos passaram pela coleção de bonecas de porcelana tão antigas quanto a sua dona, vestidas de modelos impecáveis e pela luz não se via pó algum. A velha madame voltou com uma bandeja, chá completo no melhor estilo inglês. O ambiente cheirava a "casa velha" e foi tomado por um aroma suave e doce.As duas bebiam lentamente, entre um gole e outro se observavam, nada foi dito até então. Márcia sem graça, desviou o olhar, e nas paredes encontrou quadros de molduras grossas e detalhadas, retratavam uma mulher posuda e seca. Em alguns estava acompanhada por dois homens distintos porém tristes. Márcia não conteve-se e perguntou se a senhora foi casada, apenas um balançar de cabeça respondeu-lhe que sim.- Tem filhos?E novamente um balançar de cabeça, desta vez negativo. Constrangida, a moça percebeu que a senhora não era de muitas palavras, e não sabia como iria conversar com ela, além disso, a velha via-a com ressalvas, os olhos percorriam-na severamente, sua ação criticava até mesmo as unhas que estavam mal pintadas.O chá terminou e a moça levantou-se apressadamente, não sentia-se bem em clima tão frio e moribundo. Dirigiu-se até a porta e a senhora agradeceu, aquela voz rouca disse que a casa não está à venda. Márcia com um meio sorriso desapareceu da vista opaca daqueles olhos marcados que completavam o semblante pesado da velha senhora abandonada.