05 novembro, 2006

Vende-se



Descia a rua com pressa, passos apertados em sapatos baratos que contrastavam com vitrines de luxo. Entre laços, fitas e dourado, seus olhos buscavam a beleza, talvez aquele casarão antigo, que no imaginário da menina tornava-se palco das histórias mais românticas à moda antiga, claro... A casa com aparência desleixada estava deslocada em meio a tanta modernidade, mas o charme amarelado ainda era por poucos admirado. Márcia sempre se encantava ao se deparar com o casarão, a emoção era a mesma a cada encontro. Dessa vez, notou a placa que indicava uma futura, provavelmente distante, venda. Seu rosto fino de expressão ingênua vibrou ao imaginar como seria viver entre paredes antigas, que guardavam tantos segredos e histórias, em prováveis cômodos imensos, janelas altas e um jardim que teria cor de todas as flores. Foi surpreendida então, quando viu uma senhora um tanto enrugada sentada na varanda, a olhar o movimento. Estava arrumada, um belo vestido, parecia estar esperando por alguém. Elas cumprimentaram-se e a senhora acenou, e os passos de Márcia agora saltitavam na descida. Os dias passaram, a moça retornou, e a placa ainda estava lá, mas dessa vez o portão estava aberto. Márcia parou de frente para a casa. Olhou para um lado e para o outro, não hesitou, entrou com toda vontade, cruzou o jardim seco rapidamente, seu coração batia acelerado. Bateu na porta... Nada. Bateu novamente, e encostou a orelha na porta de madeira. Ouviu passos chegando, lentos e leves, logo a porta foi aberta. A velha senhora maquiada e madame, com certa dificuldade e voz rouca convidou-a para entrar.A sala era escura, e de longe ouvia-se um bolero distante... A mobília era pouca mas de bom gosto, quase toda coberta com lençóis bordados. A velha seguiu para a sala de estar e indicou a cadeira na qual a moça deveria sentar. Márcia sentou-se numa postura omissa e acompanhou o caminhar arrastado da senhora que foi até a cozinha. Seus olhos passaram pela coleção de bonecas de porcelana tão antigas quanto a sua dona, vestidas de modelos impecáveis e pela luz não se via pó algum. A velha madame voltou com uma bandeja, chá completo no melhor estilo inglês. O ambiente cheirava a "casa velha" e foi tomado por um aroma suave e doce.As duas bebiam lentamente, entre um gole e outro se observavam, nada foi dito até então. Márcia sem graça, desviou o olhar, e nas paredes encontrou quadros de molduras grossas e detalhadas, retratavam uma mulher posuda e seca. Em alguns estava acompanhada por dois homens distintos porém tristes. Márcia não conteve-se e perguntou se a senhora foi casada, apenas um balançar de cabeça respondeu-lhe que sim.- Tem filhos?E novamente um balançar de cabeça, desta vez negativo. Constrangida, a moça percebeu que a senhora não era de muitas palavras, e não sabia como iria conversar com ela, além disso, a velha via-a com ressalvas, os olhos percorriam-na severamente, sua ação criticava até mesmo as unhas que estavam mal pintadas.O chá terminou e a moça levantou-se apressadamente, não sentia-se bem em clima tão frio e moribundo. Dirigiu-se até a porta e a senhora agradeceu, aquela voz rouca disse que a casa não está à venda. Márcia com um meio sorriso desapareceu da vista opaca daqueles olhos marcados que completavam o semblante pesado da velha senhora abandonada.

Um comentário:

  1. Lu, adorei! O texto é tão real que imaginei cada detalhe da cena.

    Ontem resolvi ressuscitar meu blog, acho que pelo meu nome você chega lá.

    Que tal irmos pro São Pedro na vila depois da Bienal?! Será que estou neurótica com essa de antecipar tudo?!

    Love, Pat

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