"...como se se encontrasse mergulhado de olhos abertos num mar de leite"
O filme começa e logo aquela imagem excessivamente branca toma conta da tela, a fotografia já começa a pertubar. Cenas desfocadas deixam a sensação desconfortável do que seria não enxergar. Repugnância, revolta, e outros sentimentos repulsivos são transmitidos ao espectadores, bem como no livro - claro que a leitura é mais carregada de olhares (escritor, narrador e personagem). Fernando Meirelles não decepciona. Tem a adorada Juliane Moore. E o guapo Gael Garcia Bernal.
Para relembrar, um trecho:
"O mal da rapariga dos óculos escuros não era de gravidade, tinha apenas uma conjuntivite das mais simples, que o tópico ligeiramente recomendado pelo médico iria resolver em poucos dias. Já sabe, durante esse tempo só tira os óculos para dormir, dissera-lhe. O gracejo levava muitos anos de uso, é mesmo de supor que viesse passando de geração em geração de oftalmologistas, mas o efeito repetia-se de cada vez, o médico sorria ao dizê-lo, sorria o paciente ao ouvi-lo, e neste caso valia a pena, porque a rapariga tinha os dentes bonitos e sabia como mostrá-los. Por natural misantropia ou demasiadas decepções na vida, qualquer céptico comum, conhecedor dos pormenores da vida desta mulher, insinuaria que a bonitez do sorriso não passava de uma artimanha de ofício, afirmação maldosa e gratuita, porque ele, o sorriso, já tinha sido assim nos tempos não muito distantes em que a mulher fora menina, palavra em desuso, quando o futuro era uma carta fechada e a curiosidade de abri-la ainda estava por nascer. Simplificando, pois, poder-se-ia incluir esta mulher na classe das denominadas prostitutas, mas a complexidade da trama das relações sociais, tanto diurnas como nocturnas, tanto verticais como horizontais, da época aqui descrita, aconselha a moderar qualquer tendência para juízos peremptórios, definitivos, balda de que, por exagerada suficiência nossa, talvez nunca consigamos livrar-nos. Ainda que seja evidente o muito que de nuvem há em Juno, não é lícito, de todo, teimar em confundir com uma deusa grega o que não passa de uma vulgar massa de gotas de água pairando na atmosfera. Sem dúvida, esta mulher vai para a cama a troco de dinheiro, o que permitiria, provavelmente, sem mais considerações, classificá-la como prostituta de facto, mas, sendo certo que só vai quando quer e com quem quer, não é de desdenhar a probabilidade de que tal diferença de direito deva determinar cautelarmente a sua exclusão do grémio, entendido como um todo. Ela tem, como a gente normal, uma profissão, e, também como a gente normal, aproveita as horas que lhe ficam para dar algumas alegrias ao corpo e suficientes satisfações às necessidades, as particulares e as gerais. Se não se pretender reduzi-la a uma definição primária, o que finalmente se deverá dizer dela, em lato sentido, é que vive como lhe apetece e ainda por cima tira daí todo o prazer que pode."
Título Original: Blindness
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 120 minutos
Ano: 2008
Direção: Fernando Meirelles
Roteiro: Don McKellar, baseado em livro de José Saramago
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