06 julho, 2009

FLIP 2009 - sexta-feira

Mal começou o dia e fomos apressados assistir a mesa "Evocação de um poeta", de pé mesmo, do lado de fora da tenda do telão. Na mesa, os três novos poetas brasileiros, Heitor Ferraz, Eucanaã Ferraz e Angélica Freitas debatiam a atualidade do poeta, o momento misterioso ou ainda rotineiro da criação, suas influências e fizeram leituras belíssimas de poemas como "Porquinho-da-índia", "Namorados", "Maçã" e "Evocação do Recife", bonitas escolhas para evocar a simplicidade do poeta homenageado, Manuel Bandeira. Em sua última fala, Angélica Freitas, leu "Belo Belo"de Bandeira:
Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdad e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero

Leia aqui a entrevista com a poeta Angélica Freitas na revista Vila Cultural.


Seguindo para o centro histórico, passeando pelas ruas de calçamento "pé-de-moleque" fui percebendo a FLIP, a cidade toda em festa, num outro ritmo, palavras, música, cores e poesia. Algo como visitar o Sítio do Pica-Pau Amarelo quando criança.



Compartilhar, criar, trocar. Por todos os lados novos artistas tentando vender seu peixe. Fantasiados, simpáticos ou mesmo declamando versos, estavam mesmo tentando. Ganhamos muita coisa. Como outros que estavam por ali, o casal Macambira e Queridinha, em sua primeira FLIP, escritores de Cordel vindos de Esperança - PB, circularam por todos os lados, todos os dias e eu não podia deixar de trazer alguns exemplares.


De estômago forrado, fomos passear de charrete, a promessa era a de saber mais da história de Paraty, por quem mora lá. O moço falou sobre a fundação da cidade (entre 1540 e 1560), mostrou as casas dos famosos, e entre outras coisas, explicou algo interessante e engenhoso a cerca da construção do centro histórico, que está abaixo do nível do mar, assim, quando a maré subia, lavava as ruas e levava com ela toda a sujeira, por não haver rede de esgoto na época. Hoje as águas ainda invadem o centrinho até certo ponto.




Também foi curioso aprender a origem de algumas expressões como "sem eira nem beira" e de "feito nas coxas" - o telhados das casas eram montados por telhas confeccionadas nas coxas das mulatas, ficando então irregulares - daí a expressão "feito nas coxas" para exemplificar algo mal feito. Além disso, os telhados poderiam ter ou não um acabamento, eira, beira e tribeira. Quanto mais "eiras", mais nobre era a família. Quando um sujeito perdia seus bens, perdia também suas "eiras", ficando sem eira nem beira.















No meio da tarde, andando pela Samuel da Costa, encontramos um grupo - não tenho certeza se local, provavelmente sim, numa batucada de MARACATU! Nada como uma batucada para sacudir o corpo e as ideias, dando mais energia para o resto do dia.





Fim de tarde chegou: Cristovão Tezza e o mexicano Mario Bellatin debatem "O eu profundo e os outros eus" - Tezza publicou em 2007 O Filho Eterno , um misto de ficção e autobiografia da relação de um jovem pai com o filho que tem síndrome de down, já escrevi um pouco sobre o livro aqui. Para o brasileiro , a ficção é um modo de compreensão do mundo e o fato biográfico é mais um elemento da realidade. Ainda citou Paul Auster: "uma vida só existe se se narra".

Já Bellatin afirma não se inspirar em sua vida para criar suas personagens - estas tem deformações congênitas, bem como o autor que nasceu sem o antebraço - apareceu na tenda dos autores com uma prótese em formato de pênis. O autor disse que procura se distanciar do que escreve para se tornar leitor dele mesmo, numa tentativa de desaparecer como autor.
Ambos autores leram trechos de suas novas obras.




A Editora Record distribuiu um trecho inédito do novo livro de Cristovão Tezza, Um Erro Emocional, leia aqui.


O LEITE DERRAMADO AZEDOU


Sexta-feira, 19 horas. A mesa "Sequências brasileiras" foi em disparado a mais concorrida, Milton Hatoum e Chico Buarque - ingressos esgotados na primeira hora ds vendas. Claro que eu também não consegui. Mas paciência, ficarei contente em receber os autógrafos dos autores em meus livros! O debate começou e eu já estava lá, a primeira na fila dos autógrafos. A cada minuto chegava mais e mais gente. Parecia que o debate não ia acabar nunca. Eles esticaram - e muito - o papo, mas dali não conseguia ouvir uma palavra sequer.
E a equipe da FLIP começou assim: - Não sabemos se ele (Chico) vem, não tem nada confirmado. Outra fala: - Não formem fila. - E ainda: - Não há uma fila oficial. - Quando uma multidão seguia crescendo.
Depois de algum tempo: - Ele virá, mas só irá autografar 100 livros, vamos distribuir senhas. - E eu: - E o Hatoum? E o Hatoum??
Sim, é claro que Chico Buarque e seu belo par de olhos causam todo esse frenesi e histeria, mas gente, e o Miltom Hatoum?! - Sim, ele virá também, está confirmado.
A próxima instrução dada a nós foi assim: - Ele só autografará um livro por pessoa, guardem os outros, vamos lá, pessoal, um livro só nas mãos.
A moça olhou para mim, um tanto arisca: - Pode guardar esses livros, só um por pessoa.
- Mas esses são do Hatoum, minha senhora!
O último comando foi assim: - Não adianta colocar seus nomes em papeis, ele só irá assinar o nome dele.
Ai ai. Cansei, cansei mesmo, coisa mais irritante - vou mandar essa historinha verdadeira para a Fernanda Young. Nada é mais irritante do que esperar por duas horas por alguém que não está a fim. Melhor seria não aparecer.
A mesa terminou, fico na ponta dos pés e vejo uma correria, uma GALERA chegando com tudo. O segurança ao meu lado, ainda mais alto que eu (meço 1,80m) estava tenso, bem tenso. E mais seguranças foram chegando. Medo do empurra-empurra. Eu só queria sair logo dali.
O Chico chegou primeiro, a maior berraria histérica de meninos e meninas. Mal aplaudiram o Hatoum que chegou logo depois. Eu ainda esperei o Chico Buarque autografar uma pilha de livros da equipe da FLIP. Pronto, enfim liberada:
- Chico, é para minha filha, Clarice. - E ele rabiscou qualquer coisa. Eu: - Obrigada.
Sigo em direção ao Milton Hatoum, toda encabulada: - É um prazer estar aqui (dãh). Ele sorriu, viu meu nome e o do Kleber: - Kleber? - E eu: - Meu marido. - Fez uma dedicatória.
No segundo volume que entreguei a ele havia anotações logo na primeira página, ele me olhou com cara de interrogação: - Somos estudantes de literatura e professores também. - Agora senti firmeza, Luciana! risos. E mais uma dedicatória carinhosa. Ele ainda estendeu a mão e eu atrapalhada, demorei um pouco a corresponder.
Preciso dizer mais alguma coisa?















a primeiríssima da fila






Milton Hatoum autografando meus livros

4 comentários:

  1. Que olhar bonito...
    Lu, Kleber e Clarice...vocês trouxeram para a "minha Flip" momentos de gozo...memória de juventude...experiência de eternidade...esperança...felicidade!
    Vocês merecem cada autógrafo, fotografia, almoço, telão...tenda de autores...pé na água...e muito mais!
    Ah! para começar a semana fui ver LOKI...não percam. Vocês vão adorar!
    Férias com flip e cinema... não é demais?
    bjs,

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  2. Lú,Kleber e Clarice (Linda!!!)

    Adorei o texto, obrigada, vcs me trouxeram a Flip,e pude ficar emocionada.

    Bjs,

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